Introdução
Caro(a) aluno(a), você já deve ter ouvido que a literatura brasileira é muito diversificada. E é mesmo, assim como a composição de seu povo e de sua cultura. Apesar de ser recente, se for comparada com a literatura europeia, por exemplo, destaca-se principalmente pelas particularidades. O anseio por representar o que era unicamente de nossa terra, como no caso dos indígenas e de nossas reservas naturais, por exemplo, transformou-se em motivo literário desde os árcades até os nacionalistas e indianistas românticos.
Nesta unidade, você vai conhecer melhor alguns dos aspectos da História da Literatura no Brasil e sua evolução, da necessidade documental de se registrar e agrupar em torno de nomes, datas e características para a necessidade da reflexão sobre o que é a literatura brasileira e quando ela se inicia em nosso país. Apresentaremos alguns dos posicionamentos críticos acerca dessas questões apontadas e também passaremos, brevemente, pela polêmica que envolve a classificação em “Período”, “Época”, “Era”, “Fase” ou “movimento literário”.
Trabalharemos com o conceito de “movimento literário”, desenvolvendo a ideia de predominância de um ou outro aspecto, buscando desfazer a ideia de período literário estanque, com começo e fim, exatamente, nas datas indicadas.
Por fim, apresentaremos as principais produções realizadas no Período Colonial e destacaremos a função e as atitudes dos padres jesuítas em terras brasileiras.
Lembre-se: conhecer a literatura brasileira em seu período colonial é, antes de tudo, estar disposto a entender melhor nossa literatura posterior.
Aspectos da História da Literatura no Brasil
Ao se falar nas origens da Literatura no Brasil, lembramo-nos dos anos de escola básica, em que aprendemos que, por muitos séculos, a produção literária em nossas terras foi somente uma cópia do modelo europeu, em especial, de Portugal. E pensamos: Mas, então, houve literatura no Brasil nos primeiros séculos de Colônia?
Tal dúvida ganha forma quando lemos a opinião de importantes nomes nos estudos de nossa literatura e estes afirmam que a literatura “brasileira” teria surgido somente com o Romantismo, quando houve as primeiras produções voltadas para a realidade local. E Gregório de Matos? Produziu literatura “portuguesa” ao falar do governador Antônio de Sousa de Meneses, que perdeu um braço nas guerras pernambucanas e holandesas, em seu soneto satírico. E Cláudio Manuel da Costa? Também escreveu aos moldes lusitanos em seus dez cantos líricos sobre Vila Rica e Ouro Preto.
Outros críticos vão mais longe e afirmam que literatura brasileira mesmo foi produzida somente a partir do Modernismo, com a ruptura concreta e definitiva dos laços estéticos entre Brasil e Europa. Aí está uma polêmica que surgiu há alguns séculos, permanece viva e se estenderá pelas gerações de estudiosos da nossa literatura, já que refletir sobre algo desde seu princípio é sempre um exercício consequente de reflexão, sobre as produções literárias no momento presente, seja ele qual for.
Caro(a) aluno(a), como deve desconfiar, trataremos do conteúdo proposto nas unidades sempre resvalando por esses questionamentos em torno da origem da literatura no Brasil. Não colocaremos ponto final nessa discussão, porque os defensores da existência de uma literatura nacional anterior ao Romantismo têm suas justificativas muito bem fundamentadas em argumentos coerentes, assim como aqueles que defendem uma opinião totalmente contrária. São as regras da oratória, já dizia Aristóteles em Arte Retórica. Então, cabe a nós ler as produções de literatura feitas por escritores do Brasil Colônia, conhecer o contexto histórico, social e estético, juntamente com as opiniões críticas dos grandes nomes dos estudiosos de nossa literatura para que, assim também, tenhamos a nossa própria opinião com nossas próprias justificativas e argumentos.
Mas, então, o que define, delimita ou caracteriza a literatura de um país, qualquer que seja? A cultura resultante do processo de colonização, a independência política da Colônia, a abordagem de temas particulares e únicos, a escolha por formas literárias distintas de padrões clássicos... Enfim, uma produção literária que, ao ser lida, tanto pelo leitor nacional, quanto pelo estrangeiro, emita a seguinte impressão: essa é uma literatura “brasileira”, ou “portuguesa”, ou “italiana” porque tem a identidade dessa nação e dessa cultura.
Um fato histórico importante é que a independência política do Brasil aconteceu em 1822 e somente depois desse período é que os escritores nacionais tiveram maior liberdade para as próprias criações literárias, pois, durante a época colonial, os padres jesuítas traziam os modelos portugueses e direcionavam o que se produzia nas artes brasileiras. Sendo assim, optamos por trabalhar paralelamente o período colonial de nossa literatura com os acontecimentos históricos locais.
Conforme já afirmamos, estudar a Literatura Brasileira em suas origens passa pelo estudo da História do Brasil, já que até o século XVII nosso país foi colônia de Portugal. Todas as relações que se estabeleceram nos níveis econômico, cultural, social, religioso e artístico passavam, necessariamente, pelas intenções dos colonizadores.
Ao aproximar o estudo da História oficial com a reflexão sobre as origens da Literatura no Brasil, encontramos alguns posicionamentos críticos que se diferenciam e, às vezes, até se opõem quando a pergunta é: quando se iniciou a literatura no Brasil? Esses posicionamentos já se apresentaram desde os críticos brasileiros, a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX, como Araripe Júnior, Sílvio Romero e José Veríssimo, para citar apenas alguns. Esses nomes exerceram papel fundamental na documentação e reflexão sobre a literatura brasileira, deixando ensaios críticos e estudos com muitos anos de pesquisa em torno do início de nossa literatura e também sobre os critérios utilizados, normalmente cronológicos, para a divisão em períodos das manifestações literárias.
Fato é que a discussão em torno dessas questões, lugar comum entre os críticos literários, desenvolveu-se bastante no século XX com nomes, como Afrânio Coutinho, Antonio Candido, José Aderaldo Castello e Alfredo Bosi, alguns dos nomes da geração contemporânea de críticos sobre a literatura no Brasil. E as discussões se seguem pelos nossos dias. Partindo das importantes contribuições deixadas pela geração anterior, acerca das considerações sobre a nossa literatura, esses críticos são contemporâneos de um tempo em que a literatura brasileira passou por profundas transformações, como a Semana de Arte Moderna, por exemplo. Assim, passaram a problematizar, de maneira mais aprofundada, nossa história da literatura e nossas poesias e obras, a fim de refletir e abrir a discussão ao longo das décadas sobre pontos importantes, como: O que é literatura brasileira? Quando surgiu nossa literatura? Qual a primeira manifestação que se pode considerar literatura brasileira?
Vejamos alguns exemplos:
Coutinho (1972) afirma que a reflexão sobre a literatura brasileira passa necessariamente pela sua conturbada formação, já que por muito tempo se baseou no modelo português. Para ele,
a evolução de nossa literatura foi uma luta entre uma tradição importada e a busca de uma nova tradição de cunho local ou nativo. Esse conflito das relações entre a Europa e a América, esse esforço de criação de uma tradição local em substituição à antiga tradição europeia, marcam a dinâmica da literatura desde os momentos ou expressões iniciais na Colônia (COUTINHO, 1972, p.35).
Já o crítico Candido (2006) realiza uma profunda reflexão sobre o que é literatura e o que a constitui para, depois, apresentar considerações sobre a literatura no Brasil. Para ele, é necessário pensar e conceber “literatura” somente a partir de “um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a” (CANDIDO, 2006, p.83). Consequentemente, constitui-se literatura quando há vínculo e interação entre o escritor, a obra e o público, porque cada um desses “eixos” influenciar-se-ão em um determinado momento. Quando se volta especificamente para a ideia de como ocorreu essa relação entre escritor, público e obra no Brasil, o crítico afirma que a literatura “brasileira não nasce, é claro, mas se configura no decorrer do século XVIII, encorpando o processo formativo, que vinha de antes e continuou depois” (CANDIDO, 1975, p.16). Para ele, isso ocorreu por meio de dois processos:
Retórica e nativismo, fundidos no movimento romântico depois de um desenvolvimento anterior. A ação dos pregadores, dos conferencistas de academia, dos glosadores de mote, dos oradores nas comemorações, dos recitadores de toda hora correspondia a uma sociedade de iletrados, analfabetos ou pouco afeitos à leitura (CANDIDO, 2006, pp. 89-90, grifo nosso).
Com a ideia de literatura enquanto sistema literário integrado entre escritor, obra e público, Candido (1975) apresentou e representou uma inovação no campo dos estudos literários no Brasil, desde o momento da publicação de suas obras, em especial, de Formação da Literatura Brasileira I e II e Literatura e Sociedade. Essas obras apresentaram um método de estudo “que seja histórico e estético ao mesmo tempo” (CANDIDO, 1975, p.16). Assim, se estenderam e servem de base teórica até os dias de hoje.
Partindo da original conceituação de sistema literário, o crítico se volta para as produções literárias em solo brasileiro e afirma, conforme pudemos perceber na citação anterior, que, interação entre os três eixos do sistema literário ocorreu no Romantismo, ligado diretamente a “um desenvolvimento anterior”. Sua justificativa para a não integração entre escritor, obra e público nos primeiros anos do Brasil Colônia e no Barroco passa pela forma como era produzida, transmitida e recebida a literatura em nossas terras, ou seja, era produzida principalmente por padres, por colonizadores, com intuito central de catequizar e implantar a cultura branca aos indígenas e era ouvida, declamada para um público cuja maioria era analfabeta.
Após a reação de várias pessoas que parecem terem lido somente a “Introdução” da obra, o crítico destacou que nunca afirmou a não existência de literatura antes do Arcadismo no Brasil e enfatizou:
No sentido amplo, houve literatura entre nós desde o século XVI; ralas e esparsas manifestações sem ressonância, mas que estabelecem um começo e marcam posições para o futuro. Ela aumenta no século XVII, quando surgem na Bahia escritores de porte; e na primeira metade do século XVIII as Academias dão à vida literária uma primeira densidade apreciável (CANDIDO, 1975, pp.15-16).