O Arcadismo, Setecentismo ou Neoclassicismo
O nome do movimento remete à “Arcádia” região lendária da Grécia antiga, habitada por pastores que lidavam com a arte poética de maneira espontânea e simples. Essa região é considerada “ideal”, muito bela e capaz de proporcionar bem-estar espiritual. Era livre dos contratempos ou paixões avassaladoras. Por causa da localização dessa região ser no campo, entre a mais pura natureza, associou-se o tema árcade ao bucólico, ao pastoril, ao sentimento de permanência no campo, resultando em uma poesia idílica e com inspiração pastoril. “A convenção pastoril é um dos traços marcantes da poesia árcade brasileira” (SUTTANA, 2001, p. 1).
Também faz referência à Arcádia Lusitana, fundada em 1756, conforme os moldes da Arcádia Romana (1690), a academia em que se reuniam os considerados reformadores.
O Arcadismo surgiu em um momento de grandes mudanças no contexto histórico e cultural, por exemplo, a ascensão do Iluminismo (com ideais de racionalismo), a independência norte-americana e os movimentos revolucionários no Brasil. A aristocracia política entrou em decadência e, aos poucos, viu emergir a burguesia, como sendo uma nova e diferenciada classe social que viu o Barroco encaminhar-se para seu declínio. No Brasil da época, aproximadamente 1768, havia maior progresso intelectual, devido a maior divulgação da cultura e do livro. Era também comum o fato de os jovens de famílias bem sucedidas irem estudar na Europa, principalmente em Paris e em Coimbra, e, quando retornavam, traziam as inovações artísticas estrangeiras para reuniões e rodas familiares.
Elementos da Linguagem Literária Árcade
Os escritores que compuseram a Arcádia Portuguesa defendiam uma renovação na literatura, buscando uma linguagem mais simples e natural, ou seja, bem diferente da linguagem rebuscada do período barroco. Essa simplicidade, na linguagem, teve influência do racionalismo filosófico da época, já que a Europa passava pelo Iluminismo.
Os árcades evocavam a natureza “por meio da valorização dos sentimentos, da clareza de ideias, da imitação estrita dos antigos escritores gregos e romanos” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 102). Mas, eles se diferenciavam desses escritores porque, com a influência iluminista, valorizavam a “simplicidade afetiva, devida ao reconhecimento da dignidade e beleza que pode haver na manifestação das emoções” (Idem). Dessa forma, apesar da inspiração dos clássicos, aos poucos, a produção literária e artística desse período vai adquirindo uma individualidade de caráter mais confidencial e sentimental, que vão encaminhar para as sementes das manifestações pré-românticas.
Para os árcades, a verdadeira poesia deveria surgir da naturalidade próxima da simplicidade pastoril. A proposta desses escritores era a volta ao campo, por isso, os poetas árcades recriavam as paisagens de épocas anteriores e substituíam, em seus textos, a vida urbana em crescimento, pelo cultivo do campo e do rebanho.
Dentre as principais características da linguagem literária do Arcadismo estão:
- A inspiração em modelos clássicos greco-latinos e renascentistas;
- Uso da mitologia pagã de maneira artística;
- Influência dos filósofos iluministas;
- Tensão entre burguesia e aristocracia;
- Bucolismo (valorização da natureza);
- Nativismo (referência ao mundo natural e aos elementos terrestres);
- Produção artística mais simples e espontânea;
- Exaltação da beleza, ingenuidade e pureza;
- Tom de confissão dos textos;
- Pastorialismo: poetas simples e humildes;
- O mito do “bom selvagem” (Rousseau): remete para a pureza dos habitantes nativos de qualquer terra, vida pastoril e simples;
- A ordem direta das frases e a preferência pelo verso branco (sem rima);
- Diminuição grande dos jogos com palavras e figuras de linguagem como o hipérbato, antítese, paradoxo, comparação etc.
Nesse período, as produções em prosa literária eram bem reduzidas e a escolha pela poesia ou pelo poema épico se sobressaía.
Um aspecto curioso da poesia desse período é que ela “absorvia parte da produção que atualmente se exprime em prosa e que contava, então, com os gêneros didático, satírico, burlesco, herói-cômico” (CANDIDO; CASTELO, 1974, p. 196). Tratou-se de uma poesia própria do século XVIII por causa do Iluminismo, “servindo como veículo adequado para manifestar o pensamento, segundo as concepções que então reinavam” (Idem).
No Brasil, a literatura árcade concentrou-se na “Escola Mineira”, em Vila Rica (onde fica a atual cidade de Ouro Preto), região que vivenciou o ciclo do ouro e a Inconfidência Mineira, dentre outras. “[...] As cidades mais importantes de Minas Gerais eram, naquela época, fonte de riqueza devido às pedras preciosas extraídas pela mineração” (BECHLER, 2013, p. 9).
Alguns críticos afirmam que o individualismo e o sentimento da natureza dos árcades mineiros tenha sido o início dessa forma de lirismo pessoal nacional. O cenário já se contribuía para isso, pois o contexto da natureza e dos cenários das terras mineiras eram propícios a esses sentimentos.
Segundo Bosi (2012), o Arcadismo brasileiro passou por dois momentos visíveis nas produções da época:
- O poético, em que houve o retorno e o uso dos modelos clássicos, da valorização da natureza e dos temas mitológicos;
- O ideológico, em que houve influência da filosofia iluminista, representando a burguesia culta e abusos do clero e nobreza.
Ambos os momentos foram importantes para o movimento árcade brasileiro, somando a ele suas peculiaridades.
Principais Autores e Obras
Foi fundada uma sociedade literária na cidade de Vila Rica (MG), a “Arcádia ultramarina”, em que os escritores adotaram pseudônimos, ou seja, nomes artísticos, geralmente de pastores da poesia grega e latina. Esses escritores eram todos burgueses e moravam em centros urbanos. Por isso, faziam uso da simulação dos sentimentos de suas poesias.
A publicação de Obras (1768), de Cláudio Manoel da Costa, é considerada o início do movimento árcade no Brasil. Ela traz na contracapa o nome pastoral do escritor: Glauceste Satúrnio.
Cláudio Manuel da Costa (Minas Gerais – 1729/1789)
Poeta de alta consciência artística, ele apresentou uma obra árcade singular, sendo uma síntese entre passado e presente, com originalidade. Os dois grandes destaques de suas produções se concentraram no volume Obras (1768), reunião de poesia lírica, elencados, preferencialmente, por sonetos. Por exemplo:
Já rompe, Nise, a matutina Aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do Sol a face pura,
Tinha escolhido a chama brilhadora.
Que alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontesinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora?
Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder ver, Nise adorada,
Não sabe inda, que coisa é alegria;
E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.
(COSTA apud CANDIDO; CASTELLO, 1974, p.119).
É notável a evocação da mulher amada e a menção do bucolismo e das vantagens da vida “natural”. Toda essa temática gira em torno do nascer e findar do dia no soneto. Outro destaque que se diferencia fortemente do soneto lírico barroco é a frase mais simples, escrita de forma direta e sem rebuscamentos, tornando a mensagem transmitida mais clara.
Já Vila Rica (1773) é um poema épico composto por dez cantos em versos decassílabos. Utiliza-se de alegorias e sonhos, além de tratar de temas mitológicos (também pela função, já que conta a história da fundação de Ouro Preto). Esse poema épico é dividido em cinco partes gerais: proposição, invocação, dedicatória, narrativa e epílogo. Narra a descoberta das minas pelos bandeirantes, da mineração, das revoltas e a fundação da cidade mineira. Paralelamente a isso, o poeta trata dos casos sentimentais dos indígenas, aproximando-se muito da mitologia. É possível perceber influências de Camões e de Basílio da Gama, em Vila Rica, tanto na forma árcade, quanto no tema. Vejamos o exemplo de um trecho:
Canto VI
Levados de fervor, que o peito encerra
Vês os Paulistas, animosa gente,
Que ao Rei procuram do metal luzente
Co'as próprias mãos enriquecer o erário.
Arzão é este, é Este, o temerário,
Que da Casca os sertões tentou primeiro:
Vê qual despreza o nobre aventureiro,
Os laços e as traições, que lhe prepara
Do cruento gentio a fome avara.
(COSTA, s/d).
O que chama atenção também nas obras de Cláudio Manuel da Costa são as “paisagens brasileiras e das Minas Gerais, seu berço e local onde teve uma intensa vida social e política, que terminou de maneira trágica, assim como a Inconfidência Mineira, da qual foi um dos simpatizantes mais ilustres” (BECLER, 2013, p. 2).
Santa Rita Durão (Minas Gerais – 1722/ Lisboa – 1784)
Seu grande destaque foi a escrita do poema épico Caramuru, composto conforme a imitação direta de Os Lusíadas, de Camões. Durão retomou o sentimento nativista de louvor à terra das primeiras produções em solo brasileiro. Também destacou a riqueza e fertilidade de nossas terras com relatos de hábitos dos indígenas. Sendo assim, “sob todos os aspectos, estruturais e temáticos, o poema retorna ao Quinhentismo, enquanto se recheia da erudição do século XVIII” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 132).
O poema épico é composto por dez cantos, também segue a divisão de cinco partes e trata de temas mitológicos. Observemos um trecho:
Canto VI
XXXVII
Copiosa multidão da nau francesa
Corre a ver o espetáculo assombrada;
E, ignorando a ocasião de estranha empresa,
Pasma da turba feminil que nada.
Uma, que às mais precede em gentileza,
Não vinha menos bela do que irada;
Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.
XXXVIII
"- Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem...
Porém o tigre, por cruel que brame,
Acha forças amor que enfim o domem;
Só a ti não domou, por mais que eu te ame.
Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem.
Como não consumis aquele infame?
Mas apagar tanto amor com tédio e asco...
Ah que o corisco és tu... raio... penhasco?
[...]
(DURÃO, s/d).
Basílio da Gama (Minas Gerais – 1740/ Lisboa – 1795)
Foi considerado um escritor árcade que se afastou dos artificialismos da linguagem bucólica e mitológica, usada pelos seus companheiros, destacando-se em seu talento poético. Sua produção mais conhecida é o poema épico O Uraguai (1769). Nesse poema, Basílio da Gama não segue todo o modelo de Os Lusíadas. Baseia-se na sugestão poética de força mais lírica que épica e, assim, o tema indígena já passa por um tratamento literário diferente da preocupação informativa da Época Colonial e informativa. Para Bosi (2012), Basílio da Gama é o escritor "cujos valores pré-liberais prenunciam a Revolução e se manteriam com o idealismo romântico" (BOSI, 2012, p. 70).
O Uraguai exalta a natureza como os outros escritores árcades. Mas, aponta os jesuítas como os culpados pelo envolvimento dos índios nas lutas. Como não seguiu o modelo de Camões na épica, como seus colegas, promoveu uma inovação no gênero épico, compondo versos decassílabos brancos (sem rimas), sem divisão de estrofes e em apenas cinco atos. Outro ponto que colabora para essa inovação da épica em O Uraguai é o fato do poema contar um acontecimento que pertence à história recente do país. Observemos um trecho:
Canto IV
[...]
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
[...]
(GAMA, s/d).
Tomás Antônio Gonzaga (Porto – 1744/ Moçambique – 1810)
Participou da Inconfidência Mineira e de outras questões políticas do país. Sua poesia lírica é uma longa meditação sobre a vida, o amor e a condição do poeta. Gonzaga tem como pseudônimo o “pastor Dirceu”, criado para a escrita dos versos de Marília de Dirceu, que foram publicados em três partes, em 1792, 1799 e 1812. Nessa obra, o ideal da vida no campo é cultivado pelo pastor Dirceu, já que ele vive entre as ovelhas e aproveita sempre o momento presente ao lado de Marília. Vejamos um curto trecho:
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
(GONZAGA, s/d)
Outro destaque da produção de Tomás Antônio Gonzaga são Cartas Chilenas, poema satírico, incompleto, composto entre 1787 e 1788, que permaneceu inédito até 1845. Como foi escrito sem autoria, resultou em certa polêmica. Mas, “estudos empreendidos neste século e, sobretudo, nos últimos vinte e poucos anos, [1950 a 1970], culminados pelos estudos de Rodrigues Lapa, vieram dar praticamente a certeza da atribuição a Gonzaga” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 167).
A obra é composta por treze poemas satíricos, ou seja, que fazem uma crítica ao suposto governador do Chile (onde vive o pseudônimo Critilo), Fanfarrão Minésio. Também faz referência ao governador de Minas Gerais Luís da Cunha Meneses. Observe:
Amigo Doroteu, prezado amigo,
Abre os olhos, boceja, estende os braços
E limpa, das pestanas carregadas,
O pegajoso humor, que o sono ajunta.
Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
Ergue a cabeça da engomada fronha
Acorda, se ouvir queres coisas raras.
[...]
Ah! pobre Chile, que desgraça esperas!
Quanto melhor te fora se sentisses
As pragas, que no Egito se choraram,
Do que veres que sobe ao teu governo
Carrancudo casquilho, a quem rodeiam
Os néscios, os marotos e os peraltas!
Seguido, pois, dos grandes entra o chefe
No nosso Santiago junto à noite.
A casa me recolho e cheio destas
Tristíssimas imagens, no discurso,
Mil coisas feias, sem querer, revolvo.
Por ver se a dor divirto, vou sentar-me
Na janela da sala e ao ar levanto
Os olhos já molhados. Céus, que vejo!
Não vejo estrelas que, serenas, brilhem,
Nem vejo a lua que prateia os mares:
Vejo um grande cometa, a quem os doutos
Caudato apelidaram. Este cobre
A terra toda co’ disforme rabo.
(GONZAGA, s/d).
Dentre os outros escritores que fizeram parte do Movimento Árcade no Brasil estão Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Sousa Caldas, José Bonifácio e Monte Alverne.
Para concluir esta unidade, fizemos um quadro elencando os dois movimentos literários estudados, seus principais escritores, algumas das obras e o ano aproximado ou período de publicação. Vejamos: