;
A+A-
Unidade 2


Selecione a seta para iniciar o conteúdo

Introdução

Foi no século XVII, período em que se desenvolveu e se expandiu o movimento Barroco, que tivemos as primeiras produções literárias escritas por escritores nascidos em nossas terras, como é o caso de Gregório de Matos, por exemplo.

Nesta unidade, você conhecerá um pouco mais sobre esse movimento artístico que influenciou vários aspectos da linguagem literária, por meio da caracterização de alguns dos seus principais representantes e suas respectivas obras. Também notará o quanto existe de herança barroca em nosso meio, na arquitetura de muitas das igrejas mineiras e baianas e em tantas outras manifestações da arte desse período que se tornou muito presente no Brasil.

Em um segundo momento, você conhecerá o Arcadismo e como ele se constituiu enquanto movimento literário defensor de uma linguagem literária simples e voltada para a vida no campo, seguido de alguns dos principais escritores e trechos de obras. Foi um período muito importante para a literatura brasileira, principalmente porque alguns dos aspectos valorizados entre os árcades se estenderam ao longo de movimentos posteriores.

Espero que goste e que se sinta parte integrante desse passado artístico.

O Barroco ou Seiscentismo

O termo “barroco” causa muitas discussões com relação à sua origem. Dentre as várias opções, destaca-se a origem espanhola barrueco, do português arcaico.

O Classicismo do contexto do Renascimento foi, aos poucos, tendo seu espaço cultural diminuído, no início do século XVII. E assim, a crise espiritual, vivenciada pela Europa no contexto histórico das Reformas Religiosas (século XVI), manifestou todo o contraste do período, por meio do estilo barroco na arte e na literatura. Então, o Barroco foi um movimento artístico amplo, que se iniciou nas artes plásticas e depois se estendeu para a literatura e música. Tratou de uma expressão artística com um estilo que apresentou a síntese dos ideais opostos, o medieval e o renascentista, por meio do homem e de uma literatura com aspectos contraditórios. Caracterizou-se por ser a arte da dualidade (entre céu e inferno, divino e humano etc.) e da incerteza.

Em Portugal, o Barroco ou Seiscentismo, como também ficou conhecido, iniciou-se por volta de 1580, com a unificação da península Ibérica e o domínio espanhol, e se estendeu até aproximadamente 1756, com a fundação da Arcádia Lusitana. Um dos escritores de maior representação desse período foi o Padre Antônio Vieira, com obras de destaque e reconhecimento literário, como os Sermões, por exemplo. Suas obras também estiveram fortemente presentes nas terras nacionais. É notável a presença do catolicismo nas produções literárias com “autos sacramentais”, peças de teatro de expressão religiosa. Foi fortemente marcado pelo uso das figuras de pensamento: antítese e paradoxo como forma de expressão da transição entre os valores teocêntricos e antropocêntricos.

Já no Brasil, considera-se, por alguns críticos, a publicação do poema épico, Prosopopeia (1601 – publicação póstuma), do português radicado no Brasil, Bento Teixeira (1565 – 1600), como o início do movimento na literatura. Mas, esse movimento foi amplamente reconhecido e praticado a partir de 1700, com a fundação de várias academias literárias.

Trata-se de um poema épico composto por 94 estrofes em oitavas. Nesse poema, identifica-se o louvor a Jorge de Albuquerque Coelho, segundo donatário de Pernambuco, destacando a prosperidade desta capitania, direcionando para a colonização. Observemos as estrofes iniciais:

I
Cantem Poetas o Poder Romano,
Sobmetendo Nações ao jugo duro;
O Mantuano pinte o Rei Troiano,
Descendo à confusão do Reino escuro;
Que eu canto um Albuquerque soberano,
Da Fé, da cara Pátria firme muro,
Cujo valor e ser, que o Ceo lhe inspira,
Pode estancar a Lácia e Grega lira.
II
As Délficas irmãs chamar não quero,
que tal invocação é vão estudo;
Aquele chamo só, de quem espero
A vida que se espera em fim de tudo.
Ele fará meu Verso tão sincero,
Quanto fora sem ele tosco e rudo,
Que por razão negar não deve o menos
Quem deu o mais a míseros terrenos.
(Bento Teixeira)

É possível notar a presença do estilo e da concepção de Camões lírico e épico no poema. Apesar de uma imitação tão declarada, a épica de Bento Teixeira é muito interessante pelo significado histórico e por ter iniciado na poesia, a tradição do sentimento nativista.

Elementos da Linguagem Literária Barroca

A literatura barroca contou com a manifestação da prosa, poesia e peças de teatro. A prosa é marcada pelo conceptismo, por meio da oratória religiosa, acadêmica e de assunto histórico, por exemplo, enquanto a linguagem poética agregou o extremo de todas as características barrocas na literatura, elevando ao máximo grau o exagero formal por meio dos “artifícios da verificação” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 15). Apresenta duas tendências principais: a inspiração amorosa e o sentimento religioso. Já no teatro, os moldes clássicos são substituídos pela “nova comédia”. Destacaram-se também as tragicomédias jesuítas escritas em latim com fins pedagógicos, ou seja, um teatro de tradição popular.

Parte daí dois aspectos do Barroco que não se separam:

Cultismo

(som e forma): caracteriza-se pela linguagem rebuscada, culta, pelo jogo de palavras de procedência do poeta espanhol Luís de Gôngora, excesso no uso de figuras de linguagem; predominante na poesia.
Por exemplo:

Ao braço do mesmo Menino Jesus quando apareceu

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.

[...]

( MATOS, s/d)

Conceptismo

(aspecto semântico, do significado das palavras):
excessivo jogo de ideias e conceito de base retórica nos moldes do espanhol Quevedo. É frequente a presença de elementos da lógica formal como o silogismo (dedução formal diante de duas proposições, de que se tira uma conclusão) e o sofisma (argumento que se apresenta como resultante das regras formais do raciocínio e, mesmo falso, não pode ser refutado porque foi elaborado com a função de enganar). Predominante na prosa, mas também presente nos versos. Por exemplo:

A Cristo S.N. crucificado estando o poeta na última hora de sua vida

[...]

Mui grande é o vosso amor e o meu delito;
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.

Essa razão me obriga a confiar
Que, por mais que pequei neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.

(MATOS, s/d).

Formulação silogística desses versos:
Primeira premissa: “O amor infinito de Deus salva o pecador”;
Segunda premissa: “Eu sou um pecador”;
Conclusão: “Então, espero salvar-me”.

O sujeito do movimento barroco é um ser contraditório, melancólico, que pende entre as dúvidas existenciais e a realidade inalcançada.

Este homem detém a dúvida, questiona o seu mundo, a sua constituição e, fundamentalmente, a presença de Deus e a Sua exigida hierarquia e ordem. O eminente distanciamento em relação a Deus e a dificuldade de ver a mão do Criador diretamente na criatura compromete toda a maneira de se compreender o mundo, [...]. Sufocado pela angústia advinda da incerteza de um mundo decadente, tenta reconstruir, de baixo para cima, a ordem vivida por ele outrora [...] (RODRIGUES, 2016, p. 76).

Elencaremos alguns dos elementos mais frequentes que também podem ser identificados na literatura barroca:

  • Oposição à racionalidade do Classicismo, apresentando-se como libertador e dinâmico;
  • Exagero, exaltação da imaginação e audácia;
  • Valorização do aspecto contraditório e instável humano;
  • Valorização do transitório e finito;
  • Preocupação com a elegância na linguagem: enriquecimento da língua com vocábulos e sintaxe invertida ou rara, de derivação latina;
  • Uso intensificado das figuras de linguagem: hipérbato, antítese, paradoxo, hipérbole, metáfora, construções alegóricas;
  • Construção sintática com trocadilhos, sutilezas, perífrases, alusões;
  • Exagero das expressões ligadas à linguagem clássica;
  • Sugestão de luz, cor e som para buscar os estados contraditórios da condição humana;
  • Temas e motivos amorosos ou de natureza reflexiva;
  • Tema das mitologias e das fábulas;
  • Os poemas eram normalmente os sonetos, oitavas e epístolas, por exemplo;
  • Tema dos estados contraditórios da experiência humana;
  • Dualidade e antítese entre vida e morte, céu e inferno;
  • Valorização do carpe diem (aproveitar o tempo presente) por causa da transitoriedade da vida;
  • Religiosidade: reconhecimento da bondade inesgotável de Deus, piedoso diante das fraquezas humanas;
  • Retrato de uma mulher não mais “amada”, mas “desejada”;
  • Presença da paisagem descritiva.

Alguns Escritores e Obras do Barroco

Temos nomes importantes e de grande destaque no cenário barroco do Brasil. Vamos conhecer alguns deles, na sequência.

Padre Antônio Vieira (Lisboa – 1608/ Bahia – 1697)

Antônio Vieira é considerado um dos principais representantes, tanto do barroco português como do brasileiro.

No aspecto político, defendia o capitalismo, o monopólio comercial, os índios e os novos cristãos (fato que o levou à Inquisição entre 1665 e 1667).

Figura 2.1 - Padre Antônio Vieira
Fonte: Wikimedia Commons.

Suas produções podem ser agrupadas em Cartas, Profecias e Sermões, observe o quadro a seguir.

Cartas Escreveu aproximadamente quinhentas cartas que tratavam da Inquisição, dos novos cristãos e das relações entre Portugal e outros países.
Profecias Escreveu três obras: História do futuro, Clavis prophetarum e Esperanças de Portugal, em que se identificam as esperanças de Portugal em se tornar o Quinto Império (o Sebastianismo).
Sermões Escreveu, aproximadamente, duzentos sermões e com valor literário reconhecido. Apresentam-se, principalmente, por meio de um estilo barroco conceptista em que joga com ideias e conceitos conforme os ensinamentos da retórica jesuíta. Dentre seus sermões mais conhecidos estão: Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, Sermão de Santo Antônio e o Sermão da Sexagésima.

Quadro 2.1 - Produções de Padre Antônio Vieira
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Vejamos um trecho deste último sermão mencionado, em que Vieira reflete sobre o próprio processo de escrita barroca, no uso do cultismo.

Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte há-de estar branco, da outra há-de estar negro; se de uma parte dizem luz, da outra hão-de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão-de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão-de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das palavras. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há-de ser o estilo da pregação: muito distinto e muito claro (VIEIRA, 1965, p. 6).

Além disso, Vieira faz uma teorização, por meio da retórica, sobre o “estilo da pregação” a partir de uma metáfora com o céu e as estrelas.

SAIBA MAIS

Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro realizou um Projeto de digitalização em arquivo PDF de obras raras da nossa Literatura Brasileira, como o poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira, e o Sermão da Sexagésima, todos na íntegra.

Trata-se de um grande acervo literário e documentário que está disponibilizado para acesso gratuito na internet, distribuído por vários sites de pesquisa acadêmica, dentre eles, destacam-se os sites: <http://www.culturatura.com.br> e <http://www.dominiopublico.gov.br>.

Acesse também o link a seguir, do site Literatura Barroca, para se aprofundar ainda mais nesse movimento literário.

<https://sites.google.com/site/literaturabarroca/gregorio-de-matos>.

Vamos conferir?

Gregório de Matos (Bahia – 1636/ Recife – 1696)

Gregório de Matos é reconhecido pela maioria dos estudiosos e críticos como sendo o primeiro poeta da literatura brasileira. Sua biografia é marcada por uma série de desavenças e extradições de um país para outro (Brasil/Lisboa/Angola/Brasil) por causa das sátiras que compunha e direcionava aos padres, às autoridades, e à sociedade em geral. Dessa forma, tornou-se conhecido principalmente pelas poesias satíricas e delas decorreu o famoso apelido “Boca do inferno”.

Figura 2.2 - Gregório de Matos (Boca do Inferno)
Fonte: F. Briguiet / Wikimedia Commons.

Vejamos um exemplo dessa poesia:

Ao Governador Antônio de Sousa de Meneses,
chamado vulgarmente o “Braço de Prata”
Sor Antônio de Sousa de Meneses,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes,
Transpõe em burro herói que indigno cresce;
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi Vossenhoria
Quando o pisava da fortuna a roda;
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem em baixo do que burro em cima.
(MATOS apud CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 68).

O título do soneto, normalmente, é o endereçamento do mesmo, ou seja, exerce a função de “destinatário” da sátira direta, além de conter a síntese do assunto tratado no decorrer dos versos.

A crítica intensa de natureza satírica se inicia logo no segundo verso da primeira estrofe e se mantêm intensa e clara até o final do soneto. O eu lírico vai enumerando as situações e, assim, vai se formando, pelas palavras, a imagem de um “Braço de Prata” diferente daquele conhecido pela sociedade, ou seja, vai apontando para uma desmistificação do governador.

Com relação à linguagem, pode-se observar com bastante frequência, ou melhor, em quase todos os versos, a sintaxe invertida, e essa característica barroca remete à escolha pelo uso de derivação latina. Por exemplo, os versos da terceira estrofe:

NO SONETO: COM INVERSÃO SINTÁTICA NA ORDEM DA SINTAXE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Homem sei eu que foi Vossenhoria. Eu sei que foi Vossenhoria Homem.
Quando o pisava da fortuna a roda. Quando a roda da fortuna o pisava.
Burro foi ao subir tão alto clima. Foi burro ao subir tão alto clima.

Quadro 2.2 - Comparação feita sobre a sintaxe dos versos de Ao Governador Antônio de Sousa de Meneses, chamado vulgarmente o “Braço de Prata”, de Gregórios de Matos
Fonte: Elaborado pelas autoras.

No entanto, apesar de ser mais conhecido pelas poesias satíricas, Gregório de Matos também compôs de maneira exemplar a poesia religiosa e a poesia lírica, utilizando-se tanto do cultismo, quanto do conceptismo, do jogo de palavras com raciocínios sutis e da ousadia no uso da linguagem. Também coloca a si mesmo (em suas poesias religiosas) diante de Deus, reconhece que é pecador e confia na misericórdia divina, como nos dois últimos tercetos de A Cristo S. N. crucificado estando o poeta na última hora de sua vida, usados anteriormente para exemplificar a presença do silogismo.

Já, o lirismo amoroso de suas poesias líricas se destacava pelo erotismo, oscilando entre uma sensualidade grosseira ou fina. Também apresenta o tema da fugacidade do tempo e incerteza da vida, por meio do jogo de ideias e palavras que se opõem como nos quartetos de Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
[...]
Fonte: Matos (MATOS, s/d).

O poeta barroco apresenta os temas contraditórios e os confronta com frequência. Tem consciência de que a vida terrena é passageira e, por isso, em suas poesias sacras, destaca que é preciso pensar na salvação espiritual. Por outro lado, como sabe que a vida é efêmera, deseja aproveitá-la ao máximo. Isso resulta em um sentimento contraditório dentro do catolicismo, porque “gozar a vida” significa “pecar” e, com “pecado”, não há “salvação”.

Sua obra ficou inédita até o século XX, quando a Academia Brasileira de Letras a publicou em seis volumes, entre 1923 e 1933, agrupando sua obra poética da seguinte maneira: lírico-amorosa, sacra (religiosa), circunstancial e bajulatória, pornográfica e erótica e satírica (irônica, política e social).

Manuel Botelho de Oliveira (Bahia – 1636/1711)

Botelho de Almeida é conhecido pela publicação de Música do Parnaso, considerado pela crítica como sendo o primeiro livro publicado por escritor nascido no Brasil.

Figura 2.3 - Manuel Botelho de Oliveira
Fonte: Wikimedia Commons.

A obra é composta por poesias em português e espanhol e poucas em italiano e latim. Também apresenta duas comédias em espanhol. Trata dos “[...] temas correntes da poesia do tempo, segundo uma rigorosa orientação cultista e conceptista; e se na maior parte é mediana, salva-se pela inspirada habilidade de muitos poemas.” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, pp. 70-71).

Outros poetas do período Barroco tiveram menos destaque que os mencionados anteriormente. Mas, mesmo assim, suas produções foram marcadas por todos ou quase todos os elementos literários do Barroco que foram indicados. Dentre eles, podemos citar: Manuel Tavares de Sequeira e Sá, Rocha Pita, Frei Manuel de Santa Maria e Nuno Marques Pereira.

A Arte Barroca no Brasil

A arte barroca está relacionada com a Contrarreforma religiosa e busca comover seu espectador. Assim, as Igrejas, em seus ornamentos, tornaram-se as atrações e um dos pontos altos da manifestação dessa arte. Tratou-se de uma expressão artística que se solidificou na Espanha, Itália, Portugal e demais países católicos do centro europeu e da América Latina. Além da temática religiosa também se destacou o aspecto mitológico, ou seja, houve, de certa forma, uma retomada do espírito religioso e místico medieval e também de uma visão teocêntrica do mundo. Porém, com diferenças importantes.

Depois do Renascimento, dos estudos sobre anatomia e dos avanços científicos dessa época, o homem adquiriu consciência individual. Momento em que a arte buscou representar um elo entre os dois lados da dualidade humana.

Conforme pudemos constatar, o estilo barroco europeu, especialmente o português, foi reproduzido em solo brasileiro pelos nossos artistas. Entretanto, com o tempo, foi adquirindo características próprias. Aspectos semelhantes desse estilo, já identificados na literatura, também são notáveis em outras formas artísticas, como na pintura, na escultura e na arquitetura. Eles apresentaram forte expressão religiosa.

Dentre os elementos presentes na pintura barroca é o efeito de ilusão que os artistas buscam, a partir da pintura de cenas ou componentes da arquitetura, como, por exemplo, escadas, colunas e balcões. Essas cenas criam a ilusão de movimento e ampliação do espaço.  Em alguns casos, dão até a impressão de que a pintura é real e de que a parede não existe. Como exemplo desse ilusionismo, podemos citar o teto da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto – MG, pintado por Manuel da Costa Ataíde (1762-1837), artista que se destacou na pintura barroca brasileira:

Figura 2.4 - Assunção de Nossa Senhora, sua obra mais afamada, no teto da igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto, Minas Gerais
Fonte: Ricardo André Frantz / Wikimedia Commons.

Outra grandiosa obra de Ataíde está no interior da igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto. Observe os detalhes no altar, a riqueza de detalhes, o exagero, o rebuscamento nas formas e no material utilizado.

Figura 2.5 - Altar da Igreja Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto, em Minas Gerais
Fonte: Rodrigo Tetsuo Argenton / Wikimedia Commons.

O estilo arquitetônico barroco do uso frequente da coluna sinuosa com altares e colunas recobertos por espirais, monstros, anjos e flores formam um jogo de cores e formas que, ao unir essas três manifestações artísticas, a pintura, a escultura e a arquitetura, resulta em grande impacto visual. Esse estilo arquitetônico buscou romper com a rigidez da arquitetura renascentista das linhas retas, de inspiração greco-romana. Observemos:

Figura 2.6 - Interior da Igreja Santuário Bom Jesus de Matosinho, em Minas Gerais
Fonte: Wikipedia.

Abaixo, observe a fachada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador, um dos grandes exemplos que temos da arquitetura barroca em nosso país. A riqueza de detalhes, as superfícies todas trabalhadas, os relevos produzidos apresentam uma grande expressividade do trabalho realizado nesse movimento artístico, elevando o barroco a um nível ainda mais suntuoso.

Figura 2.7 - Fachada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco no Pelourinho, em Salvador
Fonte: Ricardo André Frantz / Wikimedia Commons.

Na Europa, o Barroco entrou em declínio a partir da metade do século XVIII. No entanto, em algumas regiões do Brasil, especialmente em Salvador - BA e nas cidades do estado de Minas Gerais, esse estilo teve novo impulso de desenvolvimento e expansão com a riqueza resultante da descoberta de ouro e pedras preciosas. Nesse período, a música instrumental ganha destaque e surgem os gêneros musicais unicamente instrumentais, como a suíte e o concerto.

Dentre os artistas de destaque, pela originalidade no barroco brasileiro, está Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814). Ele foi escultor, entalhador e arquiteto. Suas obras constituem até hoje, na atualidade, um dos pontos altos da representatividade do estilo barroco na arte brasileira. É possível identificar na escultura desse período todo o rebuscamento, já indicado na literatura, por meio da composição das formas sagradas e da natureza ondulatória expressa nessa arte, que são a impressão de que as figuras de pedra estão se movimentando. Outras características de suas esculturas são os lábios entreabertos, o pescoço alongado em V, os olhos espaçados, o queixo pontiagudo, o nariz reto e alongado. As esculturas barrocas eram feitas em madeira e pedra-sabão. Vejamos alguns exemplos:

Figura 2.8 - Detalhes dos Profetas Isaías e Oséias, respectivamente, de Aleijadinho, feitos de pedra-sabão
Fonte: Ricardo André Frantz / Wikimedia Commons.

A Figura 2.8 apresenta os profetas Isaías e Oséias, de uma série de outros 10 profetas produzidos por Aleijadinho. Os doze profetas é um conjunto de esculturas, em pedra-sabão, feitas entre 1794 a 1804, por Aleijadinho, localizadas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, no município de Congonhas, em Minas Gerais.

Figura 2.9 - Detalhe do Cristo carregando a cruz, na Via Sacra de Congonhas, em Minas Gerais
Fonte: Ricardo André Frantz / Wikimedia Commons.

Na Figura 2.9, percebemos os elementos característicos próprios de Aleijadinho, como o rosto, a expressão, os detalhes e a representação que se quer demonstrar por meio de suas obras.

Figura 2.10 - Detalhe da obra A última ceia no Santuário de Congonhas, em Minas Gerais
Fonte: Ricardo André Frantz / Wikimedia Commons.

Na Figura 2.10, nota-se outra grande obra do movimento Barroco. Perceba que as esculturas reproduzem a cena da última ceia, mas estão dispostos em forma circular, no entorno da mesa, e apresentam características típicas das obras de Aleijadinho, como um rosto bem marcado, silhueta delineada, riqueza de detalhes e outros aspectos desse artista tão relevante para esse momento cultural brasileiro.

SAIBA MAIS

Antônio Francisco Lisboa

Para saber mais sobre a vida, a história e as grandiosas obras de Aleijadinho acesse o documento disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/files/johnbury.pdf>. Sua leitura é muito interessante para aprofundar seus conhecimentos sobre tais movimentos literários que permeiam as obras do Barroco e as produções artísticas produzidas nesse contexto.

É importante ressaltar que o movimento Barroco foi um movimento muito amplo e conseguiu abranger várias manifestações artísticas do período em que esteve em voga no Brasil. São resultado dessas manifestações a arte literária, arquitetônica, as artes da pintura, escultura, dentre outras.

SAIBA MAIS

O Barroco Mineiro

Para se aprofundar sobre o Barroco desenvolvido no Brasil e, especialmente, em Minas Gerais, onde se apresenta o maior número de obras desse movimento artístico e literário, acesse o link a seguir, que te direcionará à monografia de Carlos Augusto Ribeiro Pinto, intitulada Patrimônio Histórico, Identidade Cultural e Turismo – O Barroco Mineiro. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/270/3/2006_CarlosAugustoRibeiroPinto.pdf>.

Para ter acesso a outras obras do Barroco, na escultura, pintura e arquitetura dos mais expressivos artistas desse período cultural, acesse o site disponível a seguir e se encante com peças belíssimas, verdadeiros patrimônios da nossa cultura.

<http://www.vitoriaregia.net/wp-content/uploads/2013/12/Barroco-no-Brasil.pdf>.

Também, no artigo a seguir, você terá acesso a uma análise breve e específica das mais importantes obras arquitetônicas do período barroco no Brasil.

<http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/14-11-2014%20Artigo%20-%20Brasil%20-%20arquitetura%20religiosa%20barroca.pdf>.

O Arcadismo, Setecentismo ou Neoclassicismo

O nome do movimento remete à “Arcádia” região lendária da Grécia antiga, habitada por pastores que lidavam com a arte poética de maneira espontânea e simples. Essa região é considerada “ideal”, muito bela e capaz de proporcionar bem-estar espiritual. Era livre dos contratempos ou paixões avassaladoras. Por causa da localização dessa região ser no campo, entre a mais pura natureza, associou-se o tema árcade ao bucólico, ao pastoril, ao sentimento de permanência no campo, resultando em uma poesia idílica e com inspiração pastoril. “A convenção pastoril é um dos traços marcantes da poesia árcade brasileira” (SUTTANA, 2001, p. 1).

Figura 2.11 - Pinturas que expressam o ambiente do Arcadismo
Fonte: WikiArt e Wikimedia Commons.

Também faz referência à Arcádia Lusitana, fundada em 1756, conforme os moldes da Arcádia Romana (1690), a academia em que se reuniam os considerados reformadores.

O Arcadismo surgiu em um momento de grandes mudanças no contexto histórico e cultural, por exemplo, a ascensão do Iluminismo (com ideais de racionalismo), a independência norte-americana e os movimentos revolucionários no Brasil. A aristocracia política entrou em decadência e, aos poucos, viu emergir a burguesia, como sendo uma nova e diferenciada classe social que viu o Barroco encaminhar-se para seu declínio. No Brasil da época, aproximadamente 1768, havia maior progresso intelectual, devido a maior divulgação da cultura e do livro. Era também comum o fato de os jovens de famílias bem sucedidas irem estudar na Europa, principalmente em Paris e em Coimbra, e, quando retornavam, traziam as inovações artísticas estrangeiras para reuniões e rodas familiares.

Elementos da Linguagem Literária Árcade

Os escritores que compuseram a Arcádia Portuguesa defendiam uma renovação na literatura, buscando uma linguagem mais simples e natural, ou seja, bem diferente da linguagem rebuscada do período barroco. Essa simplicidade, na linguagem, teve influência do racionalismo filosófico da época, já que a Europa passava pelo Iluminismo.

Os árcades evocavam a natureza “por meio da valorização dos sentimentos, da clareza de ideias, da imitação estrita dos antigos escritores gregos e romanos” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 102). Mas, eles se diferenciavam desses escritores porque, com a influência iluminista, valorizavam a “simplicidade afetiva, devida ao reconhecimento da dignidade e beleza que pode haver na manifestação das emoções” (Idem). Dessa forma, apesar da inspiração dos clássicos, aos poucos, a produção literária e artística desse período vai adquirindo uma individualidade de caráter mais confidencial e sentimental, que vão encaminhar para as sementes das manifestações pré-românticas.  

Para os árcades, a verdadeira poesia deveria surgir da naturalidade próxima da simplicidade pastoril. A proposta desses escritores era a volta ao campo, por isso, os poetas árcades recriavam as paisagens de épocas anteriores e substituíam, em seus textos, a vida urbana em crescimento, pelo cultivo do campo e do rebanho.

Dentre as principais características da linguagem literária do Arcadismo estão:

  • A inspiração em modelos clássicos greco-latinos e renascentistas;
  • Uso da mitologia pagã de maneira artística;
  • Influência dos filósofos iluministas;
  • Tensão entre burguesia e aristocracia;
  • Bucolismo (valorização da natureza);
  • Nativismo (referência ao mundo natural e aos elementos terrestres);
  • Produção artística mais simples e espontânea;
  • Exaltação da beleza, ingenuidade e pureza;
  • Tom de confissão dos textos;
  • Pastorialismo: poetas simples e humildes;
  • O mito do “bom selvagem” (Rousseau): remete para a pureza dos habitantes nativos de qualquer terra, vida pastoril e simples;
  • A ordem direta das frases e a preferência pelo verso branco (sem rima);
  • Diminuição grande dos jogos com palavras e figuras de linguagem como o hipérbato, antítese, paradoxo, comparação etc.

Nesse período, as produções em prosa literária eram bem reduzidas e a escolha pela poesia ou pelo poema épico se sobressaía.

Um aspecto curioso da poesia desse período é que ela “absorvia parte da produção que atualmente se exprime em prosa e que contava, então, com os gêneros didático, satírico, burlesco, herói-cômico” (CANDIDO; CASTELO, 1974, p. 196). Tratou-se de uma poesia própria do século XVIII por causa do Iluminismo, “servindo como veículo adequado para manifestar o pensamento, segundo as concepções que então reinavam” (Idem).

SAIBA MAIS

Expressões em Latim

O uso de expressões em latim era comum no neoclassicismo. Elas estavam associadas ao estilo de vida simples e bucólico. Conheça algumas delas:

Inutilia truncat: "cortar o inútil", referência aos excessos cometidos pelas obras do Barroco. No Arcadismo, os poetas primavam pela simplicidade.

Fugere urbem: "fugir da cidade", do escritor clássico Horácio;

Locus amoenus: "lugar ameno", um refúgio ameno em detrimento dos centros urbanos monárquicos;

Carpe diem: "aproveitar a vida", o pastor, ciente da efemeridade do tempo, convida sua amada a aproveitar o momento presente. Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://www.soliteratura.com.br/arcadismo/>.

No Brasil, a literatura árcade concentrou-se na “Escola Mineira”, em Vila Rica (onde fica a atual cidade de Ouro Preto), região que vivenciou o ciclo do ouro e a Inconfidência Mineira, dentre outras. “[...] As cidades mais importantes de Minas Gerais eram, naquela época, fonte de riqueza devido às pedras preciosas extraídas pela mineração” (BECHLER, 2013, p. 9).

Alguns críticos afirmam que o individualismo e o sentimento da natureza dos árcades mineiros tenha sido o início dessa forma de lirismo pessoal nacional. O cenário já se contribuía para isso, pois o contexto da natureza e dos cenários das terras mineiras eram propícios a esses sentimentos.

Segundo Bosi (2012), o Arcadismo brasileiro passou por dois momentos visíveis nas produções da época:

  • O poético, em que houve o retorno e o uso dos modelos clássicos, da valorização da natureza e dos temas mitológicos;
  • O ideológico, em que houve influência da filosofia iluminista, representando a burguesia culta e abusos do clero e nobreza.

Ambos os momentos foram importantes para o movimento árcade brasileiro, somando a ele suas peculiaridades.

Principais Autores e Obras

Foi fundada uma sociedade literária na cidade de Vila Rica (MG), a “Arcádia ultramarina”, em que os escritores adotaram pseudônimos, ou seja, nomes artísticos, geralmente de pastores da poesia grega e latina. Esses escritores eram todos burgueses e moravam em centros urbanos. Por isso, faziam uso da simulação dos sentimentos de suas poesias.

A publicação de Obras (1768), de Cláudio Manoel da Costa, é considerada o início do movimento árcade no Brasil. Ela traz na contracapa o nome pastoral do escritor: Glauceste Satúrnio.  

Cláudio Manuel da Costa (Minas Gerais – 1729/1789)

Poeta de alta consciência artística, ele apresentou uma obra árcade singular, sendo uma síntese entre passado e presente, com originalidade. Os dois grandes destaques de suas produções se concentraram no volume Obras (1768), reunião de poesia lírica, elencados, preferencialmente, por sonetos. Por exemplo:

Já rompe, Nise, a matutina Aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do Sol a face pura,
Tinha escolhido a chama brilhadora.
Que alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontesinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora?
Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder ver, Nise adorada,
Não sabe inda, que coisa é alegria;
E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.
(COSTA apud CANDIDO; CASTELLO, 1974, p.119).

É notável a evocação da mulher amada e a menção do bucolismo e das vantagens da vida “natural”. Toda essa temática gira em torno do nascer e findar do dia no soneto. Outro destaque que se diferencia fortemente do soneto lírico barroco é a frase mais simples, escrita de forma direta e sem rebuscamentos, tornando a mensagem transmitida mais clara.

Vila Rica (1773) é um poema épico composto por dez cantos em versos decassílabos. Utiliza-se de alegorias e sonhos, além de tratar de temas mitológicos (também pela função, já que conta a história da fundação de Ouro Preto). Esse poema épico é dividido em cinco partes gerais: proposição, invocação, dedicatória, narrativa e epílogo. Narra a descoberta das minas pelos bandeirantes, da mineração, das revoltas e a fundação da cidade mineira. Paralelamente a isso, o poeta trata dos casos sentimentais dos indígenas, aproximando-se muito da mitologia. É possível perceber influências de Camões e de Basílio da Gama, em Vila Rica, tanto na forma árcade, quanto no tema. Vejamos o exemplo de um trecho:

Canto VI
Levados de fervor, que o peito encerra
Vês os Paulistas, animosa gente,
Que ao Rei procuram do metal luzente
Co'as próprias mãos enriquecer o erário.
Arzão é este, é Este, o temerário,
Que da Casca os sertões tentou primeiro:
Vê qual despreza o nobre aventureiro,
Os laços e as traições, que lhe prepara
Do cruento gentio a fome avara.
(COSTA, s/d).

O que chama atenção também nas obras de Cláudio Manuel da Costa são as “paisagens brasileiras e das Minas Gerais, seu berço e local onde teve uma intensa vida social e política, que terminou de maneira trágica, assim como a Inconfidência Mineira, da qual foi um dos simpatizantes mais ilustres” (BECLER, 2013, p. 2).

Santa Rita Durão (Minas Gerais – 1722/ Lisboa – 1784)

Seu grande destaque foi a escrita do poema épico Caramuru, composto conforme a imitação direta de Os Lusíadas, de Camões. Durão retomou o sentimento nativista de louvor à terra das primeiras produções em solo brasileiro. Também destacou a riqueza e fertilidade de nossas terras com relatos de hábitos dos indígenas. Sendo assim, “sob todos os aspectos, estruturais e temáticos, o poema retorna ao Quinhentismo, enquanto se recheia da erudição do século XVIII” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 132).

O poema épico é composto por dez cantos, também segue a divisão de cinco partes e trata de temas mitológicos. Observemos um trecho:

Canto VI
XXXVII
Copiosa multidão da nau francesa
Corre a ver o espetáculo assombrada;
E, ignorando a ocasião de estranha empresa,
Pasma da turba feminil que nada.
Uma, que às mais precede em gentileza,
Não vinha menos bela do que irada;
Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.
XXXVIII
"- Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem...
Porém o tigre, por cruel que brame,
Acha forças amor que enfim o domem;
Só a ti não domou, por mais que eu te ame.
Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem.
Como não consumis aquele infame?
Mas apagar tanto amor com tédio e asco...
Ah que o corisco és tu... raio... penhasco?
[...]
(DURÃO, s/d).

Basílio da Gama (Minas Gerais – 1740/ Lisboa – 1795)

Foi considerado um escritor árcade que se afastou dos artificialismos da linguagem bucólica e mitológica, usada pelos seus companheiros, destacando-se em seu talento poético. Sua produção mais conhecida é o poema épico O Uraguai (1769). Nesse poema, Basílio da Gama não segue todo o modelo de Os Lusíadas. Baseia-se na sugestão poética de força mais lírica que épica e, assim, o tema indígena já passa por um tratamento literário diferente da preocupação informativa da Época Colonial e informativa. Para Bosi (2012), Basílio da Gama é o escritor "cujos valores pré-liberais prenunciam a Revolução e se manteriam com o idealismo romântico" (BOSI, 2012, p. 70).

O Uraguai exalta a natureza como os outros escritores árcades. Mas, aponta os jesuítas como os culpados pelo envolvimento dos índios nas lutas. Como não seguiu o modelo de Camões na épica, como seus colegas, promoveu uma inovação no gênero épico, compondo versos decassílabos brancos (sem rimas), sem divisão de estrofes e em apenas cinco atos. Outro ponto que colabora para essa inovação da épica em O Uraguai é o fato do poema contar um acontecimento que pertence à história recente do país. Observemos um trecho:

Canto IV
[...]
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
[...]
(GAMA, s/d).

Tomás Antônio Gonzaga (Porto – 1744/ Moçambique – 1810)

Participou da Inconfidência Mineira e de outras questões políticas do país. Sua poesia lírica é uma longa meditação sobre a vida, o amor e a condição do poeta. Gonzaga tem como pseudônimo o “pastor Dirceu”, criado para a escrita dos versos de Marília de Dirceu, que foram publicados em três partes, em 1792, 1799 e 1812. Nessa obra, o ideal da vida no campo é cultivado pelo pastor Dirceu, já que ele vive entre as ovelhas e aproveita sempre o momento presente ao lado de Marília. Vejamos um curto trecho:

Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
(GONZAGA, s/d)

Outro destaque da produção de Tomás Antônio Gonzaga são Cartas Chilenas, poema satírico, incompleto, composto entre 1787 e 1788, que permaneceu inédito até 1845. Como foi escrito sem autoria, resultou em certa polêmica. Mas, “estudos empreendidos neste século e, sobretudo, nos últimos vinte e poucos anos, [1950 a 1970], culminados pelos estudos de Rodrigues Lapa, vieram dar praticamente a certeza da atribuição a Gonzaga” (CANDIDO; CASTELLO, 1974, p. 167).

A obra é composta por treze poemas satíricos, ou seja, que fazem uma crítica ao suposto governador do Chile (onde vive o pseudônimo Critilo), Fanfarrão Minésio. Também faz referência ao governador de Minas Gerais Luís da Cunha Meneses. Observe:

Amigo Doroteu, prezado amigo,
Abre os olhos, boceja, estende os braços
E limpa, das pestanas carregadas,
O pegajoso humor, que o sono ajunta.
Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
Ergue a cabeça da engomada fronha
Acorda, se ouvir queres coisas raras.
[...]
Ah! pobre Chile, que desgraça esperas!
Quanto melhor te fora se sentisses
As pragas, que no Egito se choraram,
Do que veres que sobe ao teu governo
Carrancudo casquilho, a quem rodeiam
Os néscios, os marotos e os peraltas!
Seguido, pois, dos grandes entra o chefe
No nosso Santiago junto à noite.
A casa me recolho e cheio destas
Tristíssimas imagens, no discurso,
Mil coisas feias, sem querer, revolvo.
Por ver se a dor divirto, vou sentar-me
Na janela da sala e ao ar levanto
Os olhos já molhados. Céus, que vejo!
Não vejo estrelas que, serenas, brilhem,
Nem vejo a lua que prateia os mares:
Vejo um grande cometa, a quem os doutos
Caudato apelidaram. Este cobre
A terra toda co’ disforme rabo.
(GONZAGA, s/d).

Dentre os outros escritores que fizeram parte do Movimento Árcade no Brasil estão Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Sousa Caldas, José Bonifácio e Monte Alverne.

Para concluir esta unidade, fizemos um quadro elencando os dois movimentos literários estudados, seus principais escritores, algumas das obras e o ano aproximado ou período de publicação. Vejamos:

MOVIMENTO LITERÁRIO   AUTOR DATAS  APROXIMADAS          ALGUMAS OBRAS
BARROCO         Padre Antônio Vieira            Século XVII           Cartas, profecias e Sermões.
         Gregório de Matos 1661     Poesia lírica, religiosa, pornográfica, graciosa, satírica, encomiástica (bajulatória).
          Manuel Botelho de Oliveira 1601 Música do Parnaso.
ARCADISMO Cláudio Manoel da Costa 1768   1773 Obras;   Vila Rica.
  Santa Rita Durão 1781 Caramuru.
  Basílio da Gama 1769 O Uraguai.
  Tomás Antônio Gonzaga 1792/1799      1787 e 1788 Marília de Dirceu;   Cartas Chilenas.
 

Quadro 2.3 - Quadro organizacional do Barroco e Arcadismo no Brasil
Fonte: Elaborado pelas autoras.

O Quadro 2.3 aponta apenas algumas das obras que mais se destacaram nos movimentos Barroco e Arcadismo, mas há muitas obras que não foram exploradas neste material e que vale a pena sua análise.

REFLITA

Elite Literária

“Elite literária, no Brasil, significou até pouco tempo, não refinamento de gosto, mas apenas capacidade de interessar-se pelas letras”.

Fonte: Candido (2006, p. 94).

Indicação de leitura

Livro: A Literatura no Brasil. Era Barroca. Era Neoclássica - Volume 2

Autor: Afrânio Coutinho

Ano: 2004

Editora: Global

ISBN: 8526005561 - 978-8526005563

Sinopse: Acompanhando a evolução da literatura brasileira, sempre em cadência com o desenrolar dos acontecimentos históricos, para verificar o momento em que a ficção, o poema, o conto, o ensaio alcançaram, na estrutura e na temática, uma identidade brasileira, típica, peculiar, que se pudesse considerar com de nossa terra.

Considerações Finais

Nesta unidade, pudemos conhecer a configuração e execução dos dois primeiros movimentos literários no Brasil, o Barroco e o Arcadismo, e perceber a importância da produção literária desse período para os movimentos literários posteriores.

A arte barroca dos quadros, tetos de Igrejas, esculturas de Aleijadinho e arquitetura das Igrejas é um dos aspectos mais evidentes da importância desse movimento em sua época, e de sua posteridade. É possível revivê-la em nossas cidades históricas.

Também pudemos notar o empenho de nossos escritores árcades para a produção de uma literatura mais acessível e livre dos exageros e rebuscamentos barrocos. Os ideais iluministas utilizados em seus textos equilibraram, de certa forma, os “exageros” e o máximo das contradições entre homem e religião, tão marcantes nas obras do período anterior.

De qualquer forma, os dois movimentos são relevantes para a história literária brasileira, com suas características marcantes e especificidades, que contribuíram em grande parte para a cultura de nosso país.

Atividade

Pode-se dizer que o Barroco foi um movimento artístico amplo que se iniciou nas artes plásticas e depois se estendeu para a literatura e música. Tendo isso em vista, assinale qual alternativa corresponde à característica principal desse movimento.

Apresentou a síntese dos ideais opostos, com aspectos contraditórios, incertos e de dualidade (entre céu e inferno, divino e humano etc.).

Correta. O movimento Barroco é um movimento caracterizado, principalmente pela dualidade de sentimentos e emoções, muitas vezes destacando o pessimismo, a ironia, o amor não correspondido, os crimes e deslizes cometidos, a contradição, enfim, a vida no seu lado mais primitivo.

Era simples, objetivo e transparente à serenidade dos aspectos humanos.

Incorreta. O Barroco não era um movimento com características simples. Tanto na arquitetura, quanto na escultura, pintura e literatura, a arte barroca se mostrava com recursos que envolvia o exagero, o rebuscamento e a subjetividade.

Tinha características bucólicas e pastoris, inclusive, seus autores apresentavam pseudônimos ligados à natureza.

Incorreta. Essas características são ligadas ao Arcadismo e não ao Barroco. O movimento árcade possuía em sua premissa características relacionadas à natureza, ao ar bucólico e pastoril e seus principais autores utilizavam pseudônimos para adentrarem nesse ambiente de natureza.

Exaltava a beleza humana, de forma clara e direta.

Incorreta. O movimento Barroco não exaltava a beleza humana, muito menos se mostrava de forma clara e direta. Muitas de suas obras eram dotadas de críticas, sátiras e ironias e apresentavam uma ordem inversa e indireta, o que dificultava a clareza das informações.

Preocupava-se em transmitir uma imagem da natureza e da simplicidade da vida, de forma sempre positiva.

Incorreta. As obras do movimento barroco, muitas vezes, eram carregadas de dualidade, de incertezas e inseguranças, do amor não correspondido, diferente do Arcadismo, onde a simplicidade da vida era mais retratada. A mensagem da literatura barroca beirava, muitas vezes, o pessimismo da vida e todos os sentimentos dúbios que as pessoas podem viver.

Atividade

Gregório de Matos é reconhecido pela maioria dos estudiosos e críticos como sendo o primeiro poeta da literatura brasileira. Sua biografia é marcada por uma série de desavenças e extradições de um país para outro por causa das sátiras que compunha e direcionava aos padres, às autoridades, e à sociedade em geral. Dessa forma, tornou-se conhecido principalmente pelas poesias satíricas e delas decorreu qual famoso apelido?

Boca de lobo.

Incorreta. O apelido que Gregório de Matos conquistou por suas características foi Boca do Inferno por transmitir tudo de ruim que acontecia na sociedade da época, e não boca de lobo.

Boca do Inferno.

Correta. Gregório de Matos adquiriu o apelido de Boca do Inferno por dar voz aos mais diversos deslizes das autoridades da época em que produzia suas obras, como padres, governadores e pessoas de poder. Ele não tinha medo de denunciar os crimes e utilizava da ironia, do sarcasmo e da sátira para criticar os problemas e os abusos da sociedade em que vivia.

Falastrão.

Incorreta. O apelido de Gregório de Matos foi Boca do Inferno e não falastrão, por denunciar e satirizar os deslizes das pessoas mais poderosas da sociedade que vivia na época em que escreveu suas obras.

Boca de caçapa.

Incorreta. Boca do Inferno foi o apelido dado a Gregório de Matos e não boca de caçapa, por não ter medo de se expressar e de usar “meias palavras” para denunciar os erros e falhas dos poderosos da época, como padres, governadores e autoridades.

O infernal.

Incorreta. Ao invés de “o infernal”, o apelido dado à Gregório de Matos foi Boca do Inferno pelo autor utilizar de recursos e elementos críticos para falar das falhas e acontecimentos de sua época.

Atividade

Para os poetas árcades, a verdadeira poesia deveria surgir da naturalidade próxima da simplicidade pastoril. A proposta desses escritores era a de exaltar a natureza e o ar bucólico dos campos e dos pastos. Tendo em vista essas características, assinale a alternativa que indica somente autores radicados no movimento do Arcadismo.

Cláudio Manoel da Costa, Santa Rita Durão e Padre Antônio Vieira.

Incorreta. Apesar de Cláudio Manoel da Costa e Santa Rita Durão serem autores do Arcadismo, Padre Antônio Vieira é um escritor do Barroco, com importantes obras como cartas, profecias e sermões.

Padre Antônio Vieira, Manuel Botelho de Oliveira e Basílio da Gama.

Incorreta. Apesar de Basílio da Gama ser um autor do Arcadismo, Padre Antônio Vieira e Manuel Botelho de Oliveira são escritores do Barroco, com obras como cartas/profecias/sermões, dentre as mais diversas.

Cláudio Manoel da Costa, Santa Rita Durão, Basílio da Gama e Tomás Antônio Gonzaga.

Correta. Cláudio Manoel da Costa, Santa Rita Durão, Basílio da Gama e Tomás Antônio Gonzaga são todos importantes nomes do movimento árcade. Escreveram obras como Vila Rica, Caramuru, O Uraguai e Marília de Dirceu/Cartas Chilenas, respectivamente, que contribuíram muito para o movimento literário do Arcadismo, cada qual com sua especificidade.

Padre Antônio Vieira, Gregório de Matos e Manuel Botelho de Oliveira.

Incorreta. Todos esses autores são do movimento Barroco e não do Arcadismo, pois escreveram obras com um tom satírico, crítico e dotadas de outras características que divergem do ar bucólico árcade.

Tomás Antônio de Gonzaga, Manuel Botelho de Oliveira e Basílio da Gama.

Incorreta. Apesar de Tomás Antônio de Gonzaga e Basílio da Gama serem escritores árcades e escreverem obras importantes deste movimento, como Cartas Chilenas e O Uraguai, respectivamente, Manuel Botelho de Oliveira faz parte do movimento Barroco.

Unidade Concluída

Selecione o botão "Avançar" para continuar.

Avançar